Uma sociedade avança em cidadania à medida em que assume claramente sólidos referenciais políticos que serão os mediadores para a vida coletiva. Mas isso é algo raro nas jovens democracias que passaram por processos de dominação. Eu mesmo sou de um tempo, anos setenta, em que as posições políticas à direita tinham vergonha de afirmar-se como direita; no máximo, afirmavam-se como moderados, ao centro.
No Brasil, ao final das duas décadas de ditadura militar empresarial, os posicionamentos políticos que apoiavam e davam sustentação moral àquele governo identificavam-se com princípios muito parecidos com os das sociais democracias europeias, negando-se como direita. Para usar uma expressão do jornalista Elio Gaspari, era uma direita "envergonhada" daquilo mesmo que defendia e praticava.
Depois de lá voltamos a flertar com a democracia e assistimos ao crescimento do partido político que elegeu duas vezes, democraticamente, em primeiro turno, um presidente da república. Era um partido nitidamente à direita, afeito às privatizações e às políticas neoliberais, mas que, inversamente, afirmava-se ao centro do espectro político. Era, portanto, uma direita também envergonhada de afirmar pública e abertamente os princípios que defendia.
Na última terça-feira, 20 de março, ao acompanhar a visita do ex-presidente Lula à UFSM, notei algo histórico e inédito no Brasil desde a "Marcha pela Liberdade", de 1964, defendendo os militares e setores conservadores da sociedade. Ao assistir à grande mobilização, contrária à visita, em frente a Reitoria da Universidade, percebi que direita, mais uma vez, saiu do armário; e perdeu novamente a vergonha de afirmar-se como direita.
É lamentável, no entanto, que o faça, em grande número, promovendo milícias armadas ou apoiando um candidato tão abjeto, xenófobo, misógino, homofóbico e truculento. Viveremos, por tudo isso, um ano político eleitoral tenso. A esquerda bastante tímida e assustada, embora sólida e combativa; contra uma direita eufórica e entusiasmada, e, sobretudo, mais sem vergonha do que nunca de afirmar-se como tal.